terça-feira, 26 de junho de 2012

Crês Ser



Brinca

Cuidadosamente, pula as folhas secas

Sonha

Imagina

Corre

Não vê nada, ao seu redor, tudo fantasia

Pula, sua e cai

Olha ao redor

Uma voz amargurada e exageradamente real a chama

- Vamos, filha

Ela olha ao redor

Levanta, enxuga e sai

Tudo vê ao seu redor, tudo é correria

Corre

Imagina

Sonha

Cuidadosamente pula as folhas secas

E vai

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Scribĕre


Talvez seja a minha inevitável vocação ao in finito.

Talvez não.

Ou será apenas a caneta, o papel e os multiversos entre os dois.

Será.

Onde isso me leverá?

Não sei.

Deixo a caneta me guiar.... 

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

C'est la Vie



Hoje fui assaltado.

As esquinas estão cada vez piores.

Veja você que nem era noite.

Em plena luz do dia fui forçado a perder algo.

Sabe aquela coisa que se luta pra conseguir e, de repente, te levam, assim...

Veja você como as coisas estão.

Ninguém faz nada a respeito.

Eu estava passando e ele estava sentado.

No meio de um monte de lixo.

É de se assustar.

Ele me olhou nos olhos.

Mas não eram olhos normais... Faltava algo.

Eu, um pobre trabalhador, cansado do trabalho...

Ao cruzá-lo, ele me pediu dinheiro...

Eu dei.

Alguns trocados...

Os olhos dele esboçaram um brilho...

Não me fez falta.

Fui embora.

Ele ficou.

Mas, naquela esquina, definitivamente fui roubado.

Levaram-me a esperança.



É a vida...

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Perca.... Percamos.... Percais....





Um belo dia,

Sumi.

Desliguei-me de mundo,

Esvaí-me com o vento.

Desconstruí.

Fui tão longe,

Ao tão ermo,

E profundo,

Que nunca mais voltei.


Sobraram meu corpo,

Minhas idéias,

E todas as coisas vãs.


Às vezes me encontro,

De dentro pra fora.

E ao olhar,

Vejo,

Percebo,

Que dessa viajem,

Não há mais volta.


Fiquem com suas vaidades,

Seus cargos,

Tesouros,

Status.



Antes perdido se achar,

Que achando - se perder...




“Quem acha a sua vida perdê-la-á; quem, todavia, perde a vida por minha causa achá-la-á.”

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Trivialidades



Ele deitou exausto para o lado, olhar fixo no teto e respiração ofegante.

Dizem que os segundos que seguem ao orgasmo são os únicos nos quais se escuta a completa verdade de um homem, e ele ali, introspectivo, balbuciava mentalmente a canção que tocava ao fundo, sentindo um quase torpor de consciência tamanho prazer.

E, no quase silêncio, urge o iminente convite a fala.

Quisera então ser poeta...

Citaria Caetano, “fonte de mel, olhos de gueixa”, mas lembrou de Bagno, e desistiu.
Talvez então Gullar, “um instante sem começo nem fim” cabia quase perfeitamente, mas queria algo mais plural.

Vinícius, sonetiando quase o convenceu a sonetiar fidelidade, mas nunca foi partidário de amor que se consome e vira cinzas.

Poesia era demais, só funcionaria se feita com a alma no instante exato do sentimento sentido, e solta verbalmente a se perder no tempo e nos lençóis úmidos.

Quisera então, ser cantor...

Cantaria Djavan, mas era ela que aparentemente levava a sério e ele já disfarçava a insensatez mental.

Quem sabe um samba antigo, onde reinasse a paz, mas... Samba é tristeza, e tristeza é senhora, afinal desde que o samba é samba é assim...

Tentou o jazz e o blues, de Nat King Cole à Billie Holiday, mas nada cabia, e num surto lembrou Tchaikóvski, que cabia perfeitamente em redondilhas, mas que jamais poderia ser cantado.

Lembrou dos autores, dos clássicos, das prosas e poesias, dos profetas e dos profanos.

Fez em sua cabeça associações livres Freudianas mas só havia impossibilidades verbais.

Buscou então, no fundo de si, um carinho, mas o tocar das peles era ainda pouco, queria tocar-lhe a alma.

Lembrou da conquista, das flores e das eroticidades ao pé do ouvido.

Concluiu então que todo esse romantismo pulsante devia-se a amada, aquele corpo de pele branca e nua, o qual desejava beijar-lhe o seio e acariciar o espírito.

Restava então uma única alternativa, a mais louvável delas, de um altruísmo quase inexplicável, e nesse ímpeto, virou-se, sedento de ouvir a voz da amada, de saber-lhe os desejos e quase como um lacaio do amor, deu-se a ela, e só havia uma forma possível que acalmar uma alma tão amante.

Queria saber imediatamente o que se passava naquele coração

E, com leve êxito, deixou de lado tudo, e suavemente falou:

- Foi.....
bom....
pra você?

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A justiça nossa de cada dia...




- Êoêeeee

O grito que ecoava do outro lado da rua avisava que um carro de polícia descia a rua com as sirenes e luzes apagadas. Era uma prensa na certa, afinal roupas e pés sujos são a condição de flagrante, de pobreza flagrante, preconceito flagrante.

A dura era certa, inevitável, e ele só olha fixamente, o mesmo olhar que olha quando as senhoras e as meninas seguram a bolsa com mais força debaixo do braço quando passam do lado dele, no medo do roubo iminente. Mas dessa vez quem roubaria eram os agentes do estado, que em nome de nossa parca justiça que cobre os abastados e desnuda os miseráveis, em nome da “justiça” roubariam do moleque o que restava de dignidade.

Tapa na orelha, cassetete na boca do estomago, soco na costela e todas outras “medidas coercivas e defensivas” dos fardados armados até os dentes contra um adolescente sujo e de pé descalços.

A sociedade passava alheia aos fatos, com uma sensação boa de justiça sendo feita, de estado que funciona, de “tirem esses vagabundos daqui”.

Por incrível que pareça, isso eu até aceito,me conformo, afinal esses cidadãos modelo são os mestres na arte da hipocrisia, mas o que me meche com os bagos são os que falam que “esses vagabundos deveriam estudar e fazer algo da vida”. Meu irmão, é um playboy desses falar um pio que chego aos meus instintos mais boçais e imagino um cassetete desses, uma farda dessas para ver se ele seria homem o suficiente para encarar a prensa sem se urinar verborragicamente chamando o papai. Afinal hipocrisia e covardia rimam perfeitamente.

Mas não pense você que eu duvido da humanidade. Pelo contrario, eu acredito que cada um desses elementos na narrativa tem salvação, mas vendo a cena eu só pensava em ir preso, e deixar que aquele moleque tivesse minha vida. Vida fácil? Comparada com a dele, minha vida é uma maravilha, assim como a sarjeta comparada com a favela.

O fato é que o que ninguém percebia é que esse tribunal arbitrário de rua que acontece diuturnamente debaixo dos nossos olhos mostra como nos somos e é como tratamos os que não tem que mostramos quem somos, espalhados no outro mostramos a crueldade dos valores que nos permeiam. Valores morais uma pinóia, quem não se enquadra monetariamente leva prensa, valores financeiros e hipócritas.

E do que adianta esse texto? De nada.

Adiantaria se mudássemos de corpos nascendo de novo, déssemos a cara a tapa, a outra face e seguíssemos o que o mestre falou, mas olhando a sociedade pelo ângulo do ego, assistimos normalmente a chacina dos nossos direitos, o morte agonizante daquilo que chamamos de direito, de justiça... e pior, enterramos nosso futuro no porta-malas da viatura, e curiosos olhamos o velório da nossa única esperança, o futuro do país... que por entre a brecha da janela me olhou fixamente.

"A justiça é cega, mas a injustiça podemos ver"

Cega surda emuda, muda, imunda...

sábado, 7 de março de 2009

Ode ao pôr do sol.



Onde você está nesse dia que se esvai?

O céu amarela, avermelha e escurece, meu peito clareia, avermelha e amanhece.
Se fosse verdade gritarias, contra tudo e contra todos, mas prefere calar, e o silêncio ensurdece e ri na minha cara.

Talvez silenciar seja responder a melhor das respostas para quem sabe que no fundo, em alguma esquina do coração está a resposta de todas as perguntas.

E meus sentimentos maltrapilhos já nem sei por onde andam.

Quem nos libertará? Quem irá nos defender de nós mesmos?

Vôo em pensamentos sentado do meu quarto, imagino o mundo, sobrevôo os lugares por onde andei, lembro de nada, vejo tudo, carrego em mim um pedaço do mundo que eu nunca vou mudar, e sei que vou morrer tentando...

Vejo os trôpegos no bar e nas igrejas, todos procurando, todos sentados contemplando a estupidez das ideologias que valem nada, as crianças nas ruas, “nesses dias desleais” já recolheram os risos, e sobra a ruína de tudo que construímos.

Nessa cidade em que as tevês ao longe brilham mais que as estrelas, enchem os olhos deles mas esvaziam tudo que eu possa querer.

Será que estás no apagar as luzes da própria consciência?

E do que adianta? Se não sei onde Você está nesse dia que se foi...

Torpor



A luz laranjada do cigarro que iluminava as redondezas dos seus dedos era toda a clareza de vida que ele conseguia ver. Ele passara tanto tempo perdido no escuro de si mesmo, que a fumaça que fazia mal aos pulmões fazia bem a alma.

A fumaça era a mais concreta das poesias, em que o eu lírico se desfazia, se dissipava e preenchia o vazio daquela noite.

Ele era a noite, ele era à noite, e a eminente manhã já não o assustava, acostumado que era a consumir-se em troca de um punhado de luz, como uma vela triste valsando a melodia da solidão.

O cigarro, já cinza, e o impiedoso amanhecer, o abortava para a estúpida realidade de ser, quando tudo que se queria era o ser concreto, como a luz, e efêmero, como a alma.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Mercado



Já que resolvi falar....

Tudo começou no escambo, que não é um lugar com nome feio do tipo Curvelo, ou Euxenita, da nossa grande, e porque não dizer, criativa, Minas Gerais, mas uma prática de troca-troca. Literalmente.

Acontece que, como nunca nos contentamos com a prática de qualquer coisa sem burrocratizar, criamos o mercadinho, o mercado, o supermercado, o hipermercado e caminhamos rumo ao limite da nossa megalomania. Não tardará chegaremos ao megamercado, ao ultramercado, e quem sabe ao supramercado...

O fato é que se Marx cogitasse qual seria nossa atual relação com os mercados, o Capital seria um best-seller, elevado ao altíssimo nível Harryportíaco ou Caçadordepipástico, e definitivamente um dos benefícios seriam os mercados customizados, certamente teríamos o mercado masculino, uma seção reduzida a produtos básicos para churrasco, álcool e degustação com aquelas modelos que a gente lembra a cara, o cheiro e o nome, mas nunca, nunca mesmo lembramos o produto degustado.

E obviamente o mercado feminino, que eu não consigo cogitar aqui devido a minha incapacidade de encontrar um padrão no comportamento peculiar desse seguimento estrogênico da sociedade.

Mas antes que minhas fiéis leitoras me acusem vilmente de machismo inveterado eu me explico. O fato é que o dia a dia tem mostrado comportamentos distintos femininos na convivência em tais lugares. Por exemplo, visto que os corredores têm espaço limitado, os carrinhos deveriam ser cuidadosamente emparelhados às baias de frutas para que a circulação não fosse prejudicada, mas a capacidade feminina de manobras de veículos de 4 rodas nunca é possível de ser avaliada a não ser pela teoria do caos. É carrinho para todo lado!

Eu, como a maioria dos homes não consegue largar seu carrinho, o objeto se incorpora às mãos e só o largamos para experimentar algo com uma daquelas modelos, inclusive porque não queremos que elas vejam que estamos comprando danoninho e miojo. Só.

Em contrapartida peça para um homem comprar 2 maços de cebolinha e um de acelga, que ele vai olha, olhar e, não distinguindo tons de verde, ele vai lá provar algo com a modelo. Já as mulheres têm uma capacidade incrível de achar as coisas, principalmente no setor dos alimentos saudáveis. Além do mais, elas sempre sabem as propriedades inerentes a cada alimento. Certa feita eu estava procurando a tal da chicória e resolvi pedir ajuda a uma simpática senhorinha que contemplava os nabos:

- A senhora pode me ajudar? Eu não sei achar a chicória.
- Claro meu filho!

E num passe de mágica ela achou uma folha diferente em meio às outras, desvendando a tão temida folhagem.

- Aqui está meu filho, chicória é ótima, tem vitaminas A, B, C, antioxidantes e é ótima para câncer!

E eu já espantado como era possível haver tantas vitaminas numa folinha, respondi com uma pergunta retórica:

- Mesmo?

E a senhora:

- Mesmo, muito bom, eu sempre comi e nunca tive câncer!

***

Algo ainda mais intrigante são as técnicas milenares de escolher legumes e verduras.

- Uma batidinha com o dedo, se tiver um som oco, está bom!
- Você dobra a pontinha e se quebrar está ótimo, se dobrar mole, já venceu.
- Olha, você olha bem para ela, se estiver com a casca verde, uniforme e com uma aparência saudável, está boa.

Para tudo!!! Aparência saudável? Já era difícil saber como é um som oco, imagina apreciar a saúde de uma fruta?

Agora, o que mais me intriga nisso tudo são as uvas. Sim elas me intrigam muito mais que a relação número de caixas/funcionários, já que existem milhares de caixas e sempre há filas, e do incrível fato de que todos os mercados cobrem ofertas e eu nunca consegui comprar nada de graça, visto que cada oferta sendo coberta tenderia ao zero.

É que as uvas fazem com que se quebre uma regra básica que foi estabelecida nos primórdios aqui desse texto e na sociedade moderna: O mercado! Sim, pois teoricamente com o intuito de prová-las, estamos consumindo sem pagar! E o que fazer? Será que daí partirá a tão aguardada revolução? Estamos refletindo nas uvas nossa natureza altruísta e humana? Seria a capacidade gustativa feminina que nos levaria ao instinto mais básico de sobrevivência e começaríamos a re... re.... repartir?

Meus instintos socialistas já estavam se aguçando numa revolução feminina e alimentar quando entrei num desses megamercados e vi, além das placas usuais que controlam nosso comportamento, uma nova plaquinha, espalhada por todo o mercado, que frustrou todas as minhas idéias revolucionárias, dizendo em letras garrafais: PROIBIDO DEGUSTAR!

Já não bastasse perceber que lutar contra o sistema é algo inútil, percebi algo ainda mais profundo, quando vi uma dessas plaquinhas irônicas em frente aos produtos de limpeza. Nós humanos, nos sentindo tão evoluídos, e o nosso sistema ali, na nossa cara, rindo do nosso altruísmo e nos mandando lamber sabão!!!!

domingo, 11 de janeiro de 2009

Elevadores...




Num passado não tão distante, lá pelo ano de mil oitocentos e alguma coisa, um desses inventores desocupados resolveu inventar uma caixinha que transportasse pessoas verticalmente e deu inicio ao caos social em que vivemos hoje. Pode parecer exagero, mas a maneira que as pessoas se comportam nos elevadores é um retrato mais que fiel de como somos como sociedade. É sério!

Suponhamos uma inédita teoria de que dois corpos não possam ocupar o mesmo lugar no espaço, teoria essa deveras controversa em bailes funk e nas xeroxes da UnB, mas que se aplica na maioria dos lugares melhor freqüentados.

Teoria aceita, seria quase tautologia concluir que o fluxo de transposição dos limiares do equipamento deve respeitar a ordem de egresso a priori a de ingresso, ou para ser mais exato, tem que esperar quem está dentro sair para entrar. Mas não se enganem com vis constatações, essa lei não se aplica em casos de elevadores.

Por mais incrível que pareça, a movimentação humana nesses cubículos responde a uma seqüência muito mais imediatista e simbiótica, a do: “sai da frente que eu to passando” e os que estão lá dentro se acomodam, como sempre.

Assim, esse mutualismo coagido pela pressa inerente ao capitalismo mostra que os enclausurados elevatícios (referente a elevadores) se importam mais com os tique-taques dos relógios que com as leis da física moderna.

Devidamente acomodados, as incongruências continuam.

Afinal, em que outro lugar pessoas se enclausurariam espontaneamente num cubículo, dividindo seu metro quadrado com estranhos, em total silêncio e acomodados de forma a não cruzar olhares?

Essa é, sem sombra de dúvidas, a sociedade. Os corpos ali posicionados não passam de corpos, de volumes pesados até um máximo de 800 kg ou 9 passageiros, o que vier primeiro. Os nossos corpos já não têm vida e obedecemos à Eucracia, ao Umbilicalismo ou ao Estoupoucomefodendoismo. Obviamente há silêncio, pois não há interesses em comum, a não ser ascender ou descender e os olhares não se cruzam, pois ninguém mais olha para o outro.

Mas o fato mais intrigante é que sempre nota-se pressa para entrar e não necessariamente para sair. Chego a pensar que o elevador é uma espécie de entidade sobrenatural que incita nossos sentimentos mais animais, chegando ao ponto de ser necessária uma lei que nos instruísse a olhar se o elevador realmente está no andar, nos impedindo do ímpeto suicida de nos jogarmos no vão.

Ou talvez ainda, o MESMO seja uma sigla secreta do governo para Mecanismo Elavatício Social de Movimentação Ordenada, onde se realizam experimentos de condicionamento humano, com o intuito de mensurar a capacidade da sociedade de viver em clausura sub a fachada de escolha.

Mas, como não se podem provar tais teorias, fico a espera de um visionário que quebre convenção social desses cubículos, olhando para os outros passageiros, perguntando-lhes os nomes e fazendo amigos. Contudo, como alguém assim pode facilmente ser jogado no vão pelos outros, seria melhor um rebelde, que entrasse sutil e silenciosamente num elevador lotado, e lá entre os andares 28 e 29 realizasse o ato terrorista que nos levaria de volta aos nossos instintos primitivos de amor, quando apagando a luz, gritasse a plenos pulmões:

- Ninguém é de ninguém!

E assim se restabelecesse a ordem.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Jair.



Jair olhou pela janela da sala já sem muitas pretensões de vê-la passar. Havia horas que ela passara apressada, arrancando-lhe um suspiro profundo que chegava a doer parte do peito.

Será que um dia ela notaria? Quase todo dia aqueles passos apressados nutriam sua obsessão.

O nome dela começava com A. Devia ser Ana, Aline... Não, era Ana. Ela tinha cara de Ana! E aquele andar... ai aquele andar. Era Ana.

Um dia quase teve coragem de descer, cruzar o caminho e perguntar as horas. Ia ter que fazer cara de apressado, afinal quem faz esse tipo de pergunta logo de manha? Não, não, isso já era demais.

Restava então imaginar. A idade, os gostos, o cheiro...

Será que ela sempre tinha pressa? Será que essa pressa toda era para encontrar alguém? E agora? E agora meu Deus? Não pode ser... Claro, como eu sou burro! Uma mulher dessas deve ser disputada.... ahhh mas se ela fosse minha.

Vou ficar aqui! Até ela passar, até ela me ver!

Mas se ela me ver? Ela vai gostar? Porque gostaria?

Acendeu um cigarro e seu coração esmoreceu. O desânimo da realidade o emputeceu!

Quer saber? Dane-se essa merda! Não adianta, a vida não é como nos livros! Vou voltar a escrever...



E ela já sem pressa passou e olhou para a janela vazia...

Impressões do Urbano



Da janela as pipas cortam o céu nublado e o vento assopra a poeira e as ilusões da minha juventude. As ruas dessa cidade se entranham por entre bairros, rodovias e quebradas, me levam por esquinas pintadas por indigentes, empresários, mendigos...

As janelas semi abertas do veículo deixam permear a realidade que queremos esquecer. Um baculejo é parte da rotina, um banho na fonte é sair da rotina.

Na esquina a fumaça do baseado embaça o horizonte e leva com ela as mágoas do moleque e a hipocrisia da sociedade.

Os sons se misturam aos cheiros, a mente viaja em paredes de tijolo cru, pichações em meio a propagandas e assim caminho por caminhos que só a vista alcança.

No bar um pai descuidado não vê o molequinho tentar fumar um cigarro. Num bar um pai descuidado não se vê consumido em fumaça.

Em meio ao caos há ordem, em meio à ordem o caos.

Milhares de balões de algum político passam ao fundo por entre os prédios. Passam despercebidos por quem labuta sem tempo de olhar para o alto.

Vive-se o inverso da vida, onde as árvores cavam seu lugar no concreto e a água mina de um cano estourado, esquecido, imune.

Alheio a tudo, cai uma pipa, presa no alto da única arvore que se vê, como se no fundo no fundo a natureza só quisesse brincar de pipa, como a me lembrar eternamente das ilusões da minha juventude.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

1% das coisas



Algumas poucas pessoas têm esperança...

Algumas menos ainda têm o dom da força de vontade.

E quando você tem pessoas que põem isso em prática algo de extraordinário acontece. Algo que a gente sente no ar numa quarta feira chuvosa e inexplicavelmente enche seus pulmões de uma vontade de mudar, fazer algo, qualquer coisa que seja.

É tão fácil combater a pobreza, tão simples, que não adianta me preocupar com isso, que por mais simples que seja não será resolvida.

E se um dia eu for o pobre, quero ter o dom da força de vontade, e esperança, porque se essas morrerem do que vale a vida?

Mas independente do que digam os céticos, os cínicos e os descrentes, eu vou continuar enchendo meus pulmões, ignorando as políticas, as ideologias, as certezas e todas as mentes analíticas e pouco práticas, que fazem nada.

«Saber que será má a obra que se não fará nunca.
Pior, porém, será a que nunca se fizer.
Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe (...)»

Não os escutarei, encherei meus pulmões e continuarei assim, até que se esvaia de mim, se perca no tempo, e mesmo que não dê em nada, ao menos não escutei os que de tão mais certos do que eu nem ao menos tentaram.

“Não preciso que me digam, de que lado nasce o sol, porque bate lá meu coração...”




Mas eles nunca, nunca vão sentir o que eu senti.




... ... ... ... ...

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA há no País 56,9 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza e 24,7 milhões de pessoas vivendo em extrema pobreza.

Acabar com a pobreza em país rico com grande proporção de pobres requer recursos financeiros irrisórios.

Para se erradicar a extrema pobreza brasileira seria necessário não mais que 1% da renda do País.

Para se erradicar a pobreza seriam precisos 5%.

Nosso país é um dos primeiros do mundo em desigualdade social. Aqui, 1% dos mais ricos se apropria do mesmo valor que os 50% mais pobres. A renda de uma pessoa rica é 25 a 30 vezes maior que a de uma pessoa pobre.

A pobreza existe quando um segmento da população é incapaz de gerar renda suficiente para ter acesso sustentável aos recursos básicos que garantam uma qualidade de vida digna.

Estes recursos são água, saúde, educação, alimentação, moradia, renda e cidadania.





Pobreza maior é a de espírito.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Uma leve descrença com as coisas...



Quem tem o poder de mudar qualquer coisa nessa vida?

Na verdade somos todos egoístas por natureza e talvez o altruísmo seja o próprio egoísmo disfarçado em pele caridosa e com uma verossimilhança de não-amor-a-sí que me assusta.

Por isso eu digo: quem pode mudar coisa sequer nesse mundo?

Tudo pode ser sempre visto por dois ângulos e agente escolhe aquele que cai melhor na hora, seja pura maquilagem para quem quer que seja, nós mesmos, a sociedade, a alma...

Se parássemos pra ver o mundo pelo ângulo simples e cru da realidade, seriamos animais racionais boçais e instintivos.

Já o sentimento nos atrapalha de ver a vida e serve de proteção entre o mundo real e o falho e infindo mundo que criamos a nós mesmos.

E por isso sentimos, para haver uma simples barreira entre nosso mundo e o dos outros.

A felicidade é tão relativa e efêmera quanto a tristeza, ambas coexistem num mundo irreal tão bem disfarçado de coisa que chegamos a achar que sentimos coisa sequer.

Quem pode mudar qualquer coisa nessa vida?

Acreditar talvez seja a unica coisa que explique a burrice do ser dito humano diferenciada da burrice sagaz do animal que satisfaz o instinto carnal e dos sentimentos sem barreiras que vem e vão sem culpa.

O ser humano é não ser em nada.

Ser algo? Eu não sou, nem nada eu sou, sou o não nada.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Gravidez ou Gravidade?



Mulheres engravidam e ponto. Por mais que de certa forma minha mente rejeite a idéia de que um ser tão incrível possa sair de outro igualmente incrível, tenho que aceitar o fato. Enfim, temos todos que aceitar o fato, mesmo que o feto seja um milagre vagamente racionalizado. No mínimo pensa-se que o sexo leva aos fetos, assim como o amor leva aos filhos, dependendo da situação em questão.

Já os filhos, coitados, além de passarem nove meses, ou 40 semanas como dizem alguns “parteiros”, na eterna ilusão de que a vida se resume a uma piscina onde não temos que nos preocupar com o ar que respiramos e a comida vêm direto por um tubinho estrategicamente posicionado no lugar onde hoje se encontram nossos umbigos, os filhos tem em si a responsabilidade e a culpa por um emaranhado de situações extra-uterinas. Aqui nesse universo paralelo onde nós, os ex bebes vivemos e nos relacionamos.

Enfim, nesse universo extra-uterino, onde alguns de nós usam com orgulho nossos resquícios de tubo alimentar como porta penduricalhos, as gestantes e as grávidas têm direitos que alguns de nos mortais não possuem. Mas vá lá, tudo bem, não vou discutir as relações de direito em respeito aos meus poucos leitores que a pesar de poucos, são muito críticos graças a Deus, e os mesmos me crucificariam gentilmente falando que não concordam com “algumas coisas”. Contudo, quando se está grávida algumas coisas que geralmente são repudiadas no dia a dia tornam-se normais e até apreciadas com certo carinho por nossa parte, como o estranho desejo de comer as mais estranhas coisas do universo, as freqüentes idas ao banheiro e a incrível permeabilidade para se furar filas nos lugares públicos.

Junto com aqueles que são ex bebês a mais de 60 anos, com os portadores de necessidades especiais e com aqueles ou aquelas que carregam crianças de colo, as grávidas tem o direito de furar fila sem serem discriminadas. Lei tal, de tal ano diz em algum lugar do livro tal que elas têm esse direito. Nunca tive nem lombrigas pra saber como é ter um ser dentro de mim, ainda mais pra questionar o direito fura-fila.

Mas o que me faz pensar mesmo é até onde a gravidez esconde a gravidade da situação em que vivemos. Imagine a cena:

Estando eu numa fila, num belo dia do domingo a beira da praia, quando uma jovem senhora se posicionou estrategicamente a minha frente, com uma expressão de quem tem todo o direito fura-fila do mundo, mesmo não me parecendo idosa o suficiente, grávida o suficiente e muito menos educada o suficiente. Quase que automaticamente me posicionei, calmamente, ao lado dela, delicadamente esperando a explicação pra tal atitude, enquanto ela tentava me ignorar junto com os outros mortais freqüentadores de filas. Outra jovem senhora se aproximou, carregando uma barriga enorme. Foi quando a senhorita elaborou a celebre frase que não poderia ser citada em hora mais oportuna:

- Esse povo reclama, mas se deu no exame ontem que eu estou grávida eu não preciso provar.

É realmente incrível como uma pessoa com tal intelecto foi selecionada pela natureza pra ser mãe. Devia no mínimo ganhar da mãe natureza o troféu "mãelandragem do ano". Tudo bem que por algum motivo as grávidas podem furar fila, talvez por não agüentar ficar tanto tempo esperando sem ir ao banheiro ou algo assim, mas quantas semanas seriam necessárias para que isso ocorresse? É como se logo após um coito as mulheres se tornassem seres portadores de necessidades especialíssimas (exclua-se aqui a de receber telefonemas, que é justificável), sem sequer terem necessidade alguma! A necessidade talvez fosse só ganhar alguns minutos na fila do caixa.

Dizem que as tonteiras da gravidez aparecem após algumas semanas, mas a “tonteza” que leva a gravidade dos fatos em que vivem só aparece em situações como essas.

O direito é inegável, mas o fazer valer para si é prova de que no mundo dos espertos, até as grávidas valem por dois. E assim agente vai vivendo, valendo-se de direitos justos por definição, mas burros pela lógica do bem comum.

- Vá minha senhora, e parabéns pelo bebê!

Algumas risadas, e ela, no segundo que esboçaria uma reação escutou, ao fundo, a voz salvadora, livrando-a da platéia que já então a sabatinava com olhares.

-Próximo!

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Prolixidades alimentares



Diz a lenda que em lugares diferentes do Brasil as coisas têm nomes diferentes daqui da capital, e isso rende assuntos intermináveis. Essa história é baseada numa conversa produtiva de MSN que versa sobre teorias léxico-alimentares, a fome mundial e classificações taxonômicas, entre outras.

Os nomes foram mudados para a segurança dos personagens:



Gabbriel: Por falar em comida, aqui agente chama biscoito e bolacha coisas diferentes.

Zé Gotinha: O que é bolacha ai? E biscoito é o que?

Gabbriel: Bem, sabe essas de leite? São bolachas. Ou biscoitos, só que essas deliberadamente doces são biscoito.

Zé Gotinha: Não entendi. Assim me parecem iguais ainda! Doces.

Gabbriel: Olha, vou te explicar.

Zé Gotinha: Explique-se

Gabbriel: Na verdade o mérito não está no sabor, mas na serventia. Bolacha serve pra ocasiões especificas e biscoito é geral. Ou seja, toda bolacha é biscoito, mas nem todo biscoito é bolacha.

Zé Gotinha: ah! Chamo tudo de bolacha mesmo.

Gabbriel: Tudo bem, só estou te falando como as coisas são.

Zé Gotinha: Até tapa na cara! Bolacha!

Gabbriel: Sim, sim. Mas veja você que tapa na cara definitivamente não é biscoito. E ainda, você nunca vai “molhar a bolacha” no sentido figurado.

Zé Gotinha: Tomara... Isso me causa arrepios!

Gabbriel: Na verdade, existem coisas que tem classificações específicas, por exemplo, já viu esses cookies?

Zé Gotinha: Não.

Gabbriel: Bem, como posso explicar... É um biscoito que está mais para bolinho.

Zé Gotinha: Ah ta.

Gabbriel: Mas não tem o status de bolinho porque é duro. Afinal, não pode existir biscoito mole. A não ser que sejam previamente molhados no leite, mais isso é outra história.

Zé Gotinha: Ah não... Para mim vai ser bolinho, que seja duro.

Gabbriel: Enfim, no mundo dos biscoitos, cada um tem seu lugar, até aqueles ridículos biscoitos que vem de 3 em 3 por pacote. Que nem deveriam ser considerados biscoitos! Deveria haver uma categoria mais abaixo!

Zé Gotinha: São bolachinhas.

Gabbriel: Que sejam, mas independente da classificação, não deveriam criar expectativa quando alguém nos oferecesse! Com toda a fome no mundo, alguém fabrica algo assim. Imagina:

– Quer um biscoito?
– Quero sim

Dai aparece um trio quase imperceptível.
E eu me pergunto:

– E o resto?
– Mas que resto, só tem esses!
– Mas você não disse que tinha biscoito, eu quero o resto!
– Ta bom! Se você quer o resto eu como 2 e deixo 1 pra você!
– Isso já é demais!
– Vai querer ou não?

Gabbriel: Imagina! É de perder a fome!

Zé Gotinha: Gabbriel... Você deve ter algum trauma... Com esses biscoitinhos viu.

...

domingo, 2 de novembro de 2008

Tudo é lixo / Panis et circenses. By Mariana Delfino

Esses textos não são meus, quem me dera, mas a identificação é imensa! A autora gentilmente me deixou publicar e eu só contribui com as fotos.



Tudo isso é lixo.





Tudo isso é lixo. A perda da dignidade com os lábios cerrados e o sangue pulsando latente. Dignidade feita do pó miserável que cai dos sapatos, construída apoiada na mediocridade alheia. Corações miseráveis que não se recordam do tempo de sua inocência, quando a manipulação soberana e suja não lhes afetava a alma, pois desconheciam essa forma de poder.

Intervir de maneira histérica é o que desejamos, porém, a correnteza é tão forte e escura que arrasta a todos, cegando a quem tenta ajudar.

O medo da dor misturado ao desejo ardente de justiça paralisa as mentes que mencionam a revolução. Atrelados às suas cadeiras de rodas de formato cíclico como a vida inóspita logo depois do último amanhecer, os seres que se chamam homens morrem lentamente, receosos de seu próprio saber, mantendo nas mãos gélidas a taça cheia da coragem forjada que um dia esperavam praticar.


Panis et circenses.





Preto, pardo, branco, gente que parece encardida. A pequena rua imita a vila, a vila copia a cidade, a cidade aproveita as idéias do estado, o estado aprende direitinho as lições do país. E essas pessoas esquecidas pensam que estão se beneficiando, que podem continuar aproveitando a música e a comida.

Venham, é de graça! Custa apenas a sua dignidade.

Interesses.

Na classe D, na classe C, na classe B, na sua classe, no seu dinheiro, na sua felicidade. Fidelidade. Quinze "conto" por criança. Compram seu respeito e vocês nem percebem. Crianças descalças, imundas, sorrindo à rendição. Enquanto isso as ações se valorizam, afinal, esse é o objetivo, ou não? A busca incessante pela sua consciência, a disputa pelo seu salário, a ganância pelo seu sorriso. Servem para que, senão enriquecer o bolso deles? A educação dos seus filhos consumida como o seu respeito.
Igualdade, eles pregam. Venham, abaixem-se até este submundo, teremos então sua tão sonhada igualdade.

Do outro lado da cidade crianças pretas, pardas, brancas e encardidas se divertem com as aulas de boas maneiras. Aulas de maneiras boas. Estão aprendendo a dividir, darão festa e comida aos pobres. Aos mesmos pobres que elegerão os pais delas um dia. Educação. Ler e escrever, pensam. Mas a infeliz realidade é que o povo não sabe pensar. Deveria haver uma escola que ensinasse a pensar, a entender que toda essa lambança não é de graça. Querem te comprar, e você se vende. A culpa? Alguns dizem que é do sistema, mas quem é mesmo que faz o sistema? Há escolha? Quando abaixarem as cortinas e revelarem-se os atores, conheceremos quem são os verdadeiros palhaços.

sábado, 1 de novembro de 2008

Baseado em fatos Surreais.


Em algum lugar dentro de cada uma das pessoas que eu nunca conheci há um sentimento em standby, esperando pelo momento certo de explodir e virar nossas cabeças. Coisa típica que não acontece todo dia, e para falar a verdade, acontece quase nunca, beirando a inexistência paradoxal desse tipo de sensação.

Talvez a gente vá vivendo, baseando nossa vida em fatos reais, baseando em baseados e bebidas, sons de músicas, trabalhos e estudos, família, cachorro, problemas e amores físicos, reais e até platonicamente nos surpreendendo com nossas próprias reações, como que querendo sempre estar em outra realidade, com outros amores, outra vida e outros problemas.

Mas um dia, quando você menos espera, ele aparece, vira sua cabeça, te tira do eixo, e te coloca num limbo emocional e físico, não se dorme, nem sequer se pensa direito, sente-se uma coisa que fica acima do amor, ao lado da paixão, de frente para o desejo e de costas para a realidade. No fim, só o que se sente é o sentimento sem sentidos, sem explicações, só fatos, tanta sinceridade descomedida e esperas, e loucuras, e entrega, e desejo e uma alegria alucinada, intensa e surreal.

Quando se baseia a vida em fatos reais, os fatos surreais vêem como um grande imã, atraindo sem volta nossa normalidade e no fim das contas, não se sabe mais onde se está, nem para onde se vai, agente vive muito mais que sobrevive até que um dia a realidade teima em voltar...

E com ela vem o medo, os padrões, a rotina e todas as explicações de uma vida real, de amores mal feitos, de sinceridades comedidas, de mesas de bar, mesas de estudo, mesas de escritório... E sai-se de um limbo para voltar para outro ainda mais esguio e estranho, a gente deixa de sentir e pensa, objetivamente, conscientemente, há até quem diga que racionalmente...Só fica na boca um gosto inconfundível de bubbaloo.

Mas, em algum lugar dentro de cada uma das pessoas que eu já conheci ainda haverá um sentimento em standby, esperando pelo momento de surgir, virar nossa cabeça e tirar-nos do eixo, e relembrar de como um dia, por alguns instantes que parecem eternos baseamos nossas vidas em fatos surreais. Surreais!.

Despretensão



Quem foi que disse?
Que passividade infundada é meramente burrice?
De que serve tudo?
De que serve tudo então?

“Onde se queimam livros no final queimar-se-ão pessoas”.
Se hoje ao menos houvesse fogo.
E se o fogo nos consumisse e nossas cinzas voassem.
Ao menos haveria vôo.

“Um galo sozinho não tece a manhã”.
Não fosse ao barulho dos ouvidos a surdez da alma.
E se pudéssemos com ela ouvir.
Talvez des-crepúsculo-la-na-ría-mos.

O que resta?
O que me resta então?
Eu que sou apenas cinza.
Des-crepúsculo minha alma na imensidão.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Sobre pessoas e paredes...




Algumas coisas na vida definitivamente não deveriam existir, essas, porém, são por demais controversas. Até mesmo ódio tem seu lugar, pois mesmo em oposição ao amor, há um lugar de balanço reservado. Mas não são dessas coisas que eu quero falar, mas sim daquelas que deveriam existir e nem sequer são lembradas.

Deveria ser possível, por exemplo, sumir de vez em quando, para um lugar onde ninguém mais existisse e pudéssemos sentir saudade, sem dor, daquelas pessoas que sem maiores razões nos causam alegria só ao contemplar seus mais simples atos; esse lugar isolado, onde se pudesse sentir tudo livremente, o amor, o ódio e o medo cotidiano.

Deveria também existir um meio de transporte rápido o bastante para que pudéssemos ir visitar aquelas pessoas que vão embora e levam consigo algumas partes de nós, e, no entanto, ser sensato o bastante pra saber a hora de partir, antes que as obrigações sociais começassem, e pudéssemos sentir apenas o que deveríamos sentir.

Deveria ainda existir uma imensa parede, onde pudéssemos todos rabiscar nossas opiniões, e depois, observar toda ela e perceber o quão pequenas são nossas opiniões ideológicas, se comparadas com a imensidão e a fragilidade de todas elas através do tempo.

Seria ainda ideal se existisse uma escada, alta o bastante para que pudéssemos subir até acima desse muro, e estreita o bastante para que só se pudesse estar só ao contemplar o tamanho da sombra que esse muro faz do outro lado.

Por fim, deveria existir a possibilidade sermos fortes o bastante para destruir muros, velozes e sensatos na mesma medida, abertos e inocentes e com total liberdade de dizer o que realmente sentimos, sem machucar ou magoar...

Mas se todos esses nunca existirem, ainda sim deveria haver um lugar secreto, a gente pudesse ser o melhor que podemos ser...