Já que resolvi falar....
Tudo começou no escambo, que não é um lugar com nome feio do tipo Curvelo, ou Euxenita, da nossa grande, e porque não dizer, criativa, Minas Gerais, mas uma prática de troca-troca. Literalmente.
Acontece que, como nunca nos contentamos com a prática de qualquer coisa sem burrocratizar, criamos o mercadinho, o mercado, o supermercado, o hipermercado e caminhamos rumo ao limite da nossa megalomania. Não tardará chegaremos ao megamercado, ao ultramercado, e quem sabe ao supramercado...
O fato é que se Marx cogitasse qual seria nossa atual relação com os mercados, o Capital seria um best-seller, elevado ao altíssimo nível Harryportíaco ou Caçadordepipástico, e definitivamente um dos benefícios seriam os mercados customizados, certamente teríamos o mercado masculino, uma seção reduzida a produtos básicos para churrasco, álcool e degustação com aquelas modelos que a gente lembra a cara, o cheiro e o nome, mas nunca, nunca mesmo lembramos o produto degustado.
E obviamente o mercado feminino, que eu não consigo cogitar aqui devido a minha incapacidade de encontrar um padrão no comportamento peculiar desse seguimento estrogênico da sociedade.
Mas antes que minhas fiéis leitoras me acusem vilmente de machismo inveterado eu me explico. O fato é que o dia a dia tem mostrado comportamentos distintos femininos na convivência em tais lugares. Por exemplo, visto que os corredores têm espaço limitado, os carrinhos deveriam ser cuidadosamente emparelhados às baias de frutas para que a circulação não fosse prejudicada, mas a capacidade feminina de manobras de veículos de 4 rodas nunca é possível de ser avaliada a não ser pela teoria do caos. É carrinho para todo lado!
Eu, como a maioria dos homes não consegue largar seu carrinho, o objeto se incorpora às mãos e só o largamos para experimentar algo com uma daquelas modelos, inclusive porque não queremos que elas vejam que estamos comprando danoninho e miojo. Só.
Em contrapartida peça para um homem comprar 2 maços de cebolinha e um de acelga, que ele vai olha, olhar e, não distinguindo tons de verde, ele vai lá provar algo com a modelo. Já as mulheres têm uma capacidade incrível de achar as coisas, principalmente no setor dos alimentos saudáveis. Além do mais, elas sempre sabem as propriedades inerentes a cada alimento. Certa feita eu estava procurando a tal da chicória e resolvi pedir ajuda a uma simpática senhorinha que contemplava os nabos:
- A senhora pode me ajudar? Eu não sei achar a chicória.
- Claro meu filho!
E num passe de mágica ela achou uma folha diferente em meio às outras, desvendando a tão temida folhagem.
- Aqui está meu filho, chicória é ótima, tem vitaminas A, B, C, antioxidantes e é ótima para câncer!
E eu já espantado como era possível haver tantas vitaminas numa folinha, respondi com uma pergunta retórica:
- Mesmo?
E a senhora:
- Mesmo, muito bom, eu sempre comi e nunca tive câncer!
***
Algo ainda mais intrigante são as técnicas milenares de escolher legumes e verduras.
- Uma batidinha com o dedo, se tiver um som oco, está bom!
- Você dobra a pontinha e se quebrar está ótimo, se dobrar mole, já venceu.
- Olha, você olha bem para ela, se estiver com a casca verde, uniforme e com uma aparência saudável, está boa.
Para tudo!!! Aparência saudável? Já era difícil saber como é um som oco, imagina apreciar a saúde de uma fruta?
Agora, o que mais me intriga nisso tudo são as uvas. Sim elas me intrigam muito mais que a relação número de caixas/funcionários, já que existem milhares de caixas e sempre há filas, e do incrível fato de que todos os mercados cobrem ofertas e eu nunca consegui comprar nada de graça, visto que cada oferta sendo coberta tenderia ao zero.
É que as uvas fazem com que se quebre uma regra básica que foi estabelecida nos primórdios aqui desse texto e na sociedade moderna: O mercado! Sim, pois teoricamente com o intuito de prová-las, estamos consumindo sem pagar! E o que fazer? Será que daí partirá a tão aguardada revolução? Estamos refletindo nas uvas nossa natureza altruísta e humana? Seria a capacidade gustativa feminina que nos levaria ao instinto mais básico de sobrevivência e começaríamos a re... re.... repartir?
Meus instintos socialistas já estavam se aguçando numa revolução feminina e alimentar quando entrei num desses megamercados e vi, além das placas usuais que controlam nosso comportamento, uma nova plaquinha, espalhada por todo o mercado, que frustrou todas as minhas idéias revolucionárias, dizendo em letras garrafais: PROIBIDO DEGUSTAR!
Já não bastasse perceber que lutar contra o sistema é algo inútil, percebi algo ainda mais profundo, quando vi uma dessas plaquinhas irônicas em frente aos produtos de limpeza. Nós humanos, nos sentindo tão evoluídos, e o nosso sistema ali, na nossa cara, rindo do nosso altruísmo e nos mandando lamber sabão!!!!