segunda-feira, 6 de abril de 2009

A justiça nossa de cada dia...




- Êoêeeee

O grito que ecoava do outro lado da rua avisava que um carro de polícia descia a rua com as sirenes e luzes apagadas. Era uma prensa na certa, afinal roupas e pés sujos são a condição de flagrante, de pobreza flagrante, preconceito flagrante.

A dura era certa, inevitável, e ele só olha fixamente, o mesmo olhar que olha quando as senhoras e as meninas seguram a bolsa com mais força debaixo do braço quando passam do lado dele, no medo do roubo iminente. Mas dessa vez quem roubaria eram os agentes do estado, que em nome de nossa parca justiça que cobre os abastados e desnuda os miseráveis, em nome da “justiça” roubariam do moleque o que restava de dignidade.

Tapa na orelha, cassetete na boca do estomago, soco na costela e todas outras “medidas coercivas e defensivas” dos fardados armados até os dentes contra um adolescente sujo e de pé descalços.

A sociedade passava alheia aos fatos, com uma sensação boa de justiça sendo feita, de estado que funciona, de “tirem esses vagabundos daqui”.

Por incrível que pareça, isso eu até aceito,me conformo, afinal esses cidadãos modelo são os mestres na arte da hipocrisia, mas o que me meche com os bagos são os que falam que “esses vagabundos deveriam estudar e fazer algo da vida”. Meu irmão, é um playboy desses falar um pio que chego aos meus instintos mais boçais e imagino um cassetete desses, uma farda dessas para ver se ele seria homem o suficiente para encarar a prensa sem se urinar verborragicamente chamando o papai. Afinal hipocrisia e covardia rimam perfeitamente.

Mas não pense você que eu duvido da humanidade. Pelo contrario, eu acredito que cada um desses elementos na narrativa tem salvação, mas vendo a cena eu só pensava em ir preso, e deixar que aquele moleque tivesse minha vida. Vida fácil? Comparada com a dele, minha vida é uma maravilha, assim como a sarjeta comparada com a favela.

O fato é que o que ninguém percebia é que esse tribunal arbitrário de rua que acontece diuturnamente debaixo dos nossos olhos mostra como nos somos e é como tratamos os que não tem que mostramos quem somos, espalhados no outro mostramos a crueldade dos valores que nos permeiam. Valores morais uma pinóia, quem não se enquadra monetariamente leva prensa, valores financeiros e hipócritas.

E do que adianta esse texto? De nada.

Adiantaria se mudássemos de corpos nascendo de novo, déssemos a cara a tapa, a outra face e seguíssemos o que o mestre falou, mas olhando a sociedade pelo ângulo do ego, assistimos normalmente a chacina dos nossos direitos, o morte agonizante daquilo que chamamos de direito, de justiça... e pior, enterramos nosso futuro no porta-malas da viatura, e curiosos olhamos o velório da nossa única esperança, o futuro do país... que por entre a brecha da janela me olhou fixamente.

"A justiça é cega, mas a injustiça podemos ver"

Cega surda emuda, muda, imunda...