domingo, 11 de janeiro de 2009

Elevadores...




Num passado não tão distante, lá pelo ano de mil oitocentos e alguma coisa, um desses inventores desocupados resolveu inventar uma caixinha que transportasse pessoas verticalmente e deu inicio ao caos social em que vivemos hoje. Pode parecer exagero, mas a maneira que as pessoas se comportam nos elevadores é um retrato mais que fiel de como somos como sociedade. É sério!

Suponhamos uma inédita teoria de que dois corpos não possam ocupar o mesmo lugar no espaço, teoria essa deveras controversa em bailes funk e nas xeroxes da UnB, mas que se aplica na maioria dos lugares melhor freqüentados.

Teoria aceita, seria quase tautologia concluir que o fluxo de transposição dos limiares do equipamento deve respeitar a ordem de egresso a priori a de ingresso, ou para ser mais exato, tem que esperar quem está dentro sair para entrar. Mas não se enganem com vis constatações, essa lei não se aplica em casos de elevadores.

Por mais incrível que pareça, a movimentação humana nesses cubículos responde a uma seqüência muito mais imediatista e simbiótica, a do: “sai da frente que eu to passando” e os que estão lá dentro se acomodam, como sempre.

Assim, esse mutualismo coagido pela pressa inerente ao capitalismo mostra que os enclausurados elevatícios (referente a elevadores) se importam mais com os tique-taques dos relógios que com as leis da física moderna.

Devidamente acomodados, as incongruências continuam.

Afinal, em que outro lugar pessoas se enclausurariam espontaneamente num cubículo, dividindo seu metro quadrado com estranhos, em total silêncio e acomodados de forma a não cruzar olhares?

Essa é, sem sombra de dúvidas, a sociedade. Os corpos ali posicionados não passam de corpos, de volumes pesados até um máximo de 800 kg ou 9 passageiros, o que vier primeiro. Os nossos corpos já não têm vida e obedecemos à Eucracia, ao Umbilicalismo ou ao Estoupoucomefodendoismo. Obviamente há silêncio, pois não há interesses em comum, a não ser ascender ou descender e os olhares não se cruzam, pois ninguém mais olha para o outro.

Mas o fato mais intrigante é que sempre nota-se pressa para entrar e não necessariamente para sair. Chego a pensar que o elevador é uma espécie de entidade sobrenatural que incita nossos sentimentos mais animais, chegando ao ponto de ser necessária uma lei que nos instruísse a olhar se o elevador realmente está no andar, nos impedindo do ímpeto suicida de nos jogarmos no vão.

Ou talvez ainda, o MESMO seja uma sigla secreta do governo para Mecanismo Elavatício Social de Movimentação Ordenada, onde se realizam experimentos de condicionamento humano, com o intuito de mensurar a capacidade da sociedade de viver em clausura sub a fachada de escolha.

Mas, como não se podem provar tais teorias, fico a espera de um visionário que quebre convenção social desses cubículos, olhando para os outros passageiros, perguntando-lhes os nomes e fazendo amigos. Contudo, como alguém assim pode facilmente ser jogado no vão pelos outros, seria melhor um rebelde, que entrasse sutil e silenciosamente num elevador lotado, e lá entre os andares 28 e 29 realizasse o ato terrorista que nos levaria de volta aos nossos instintos primitivos de amor, quando apagando a luz, gritasse a plenos pulmões:

- Ninguém é de ninguém!

E assim se restabelecesse a ordem.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Jair.



Jair olhou pela janela da sala já sem muitas pretensões de vê-la passar. Havia horas que ela passara apressada, arrancando-lhe um suspiro profundo que chegava a doer parte do peito.

Será que um dia ela notaria? Quase todo dia aqueles passos apressados nutriam sua obsessão.

O nome dela começava com A. Devia ser Ana, Aline... Não, era Ana. Ela tinha cara de Ana! E aquele andar... ai aquele andar. Era Ana.

Um dia quase teve coragem de descer, cruzar o caminho e perguntar as horas. Ia ter que fazer cara de apressado, afinal quem faz esse tipo de pergunta logo de manha? Não, não, isso já era demais.

Restava então imaginar. A idade, os gostos, o cheiro...

Será que ela sempre tinha pressa? Será que essa pressa toda era para encontrar alguém? E agora? E agora meu Deus? Não pode ser... Claro, como eu sou burro! Uma mulher dessas deve ser disputada.... ahhh mas se ela fosse minha.

Vou ficar aqui! Até ela passar, até ela me ver!

Mas se ela me ver? Ela vai gostar? Porque gostaria?

Acendeu um cigarro e seu coração esmoreceu. O desânimo da realidade o emputeceu!

Quer saber? Dane-se essa merda! Não adianta, a vida não é como nos livros! Vou voltar a escrever...



E ela já sem pressa passou e olhou para a janela vazia...

Impressões do Urbano



Da janela as pipas cortam o céu nublado e o vento assopra a poeira e as ilusões da minha juventude. As ruas dessa cidade se entranham por entre bairros, rodovias e quebradas, me levam por esquinas pintadas por indigentes, empresários, mendigos...

As janelas semi abertas do veículo deixam permear a realidade que queremos esquecer. Um baculejo é parte da rotina, um banho na fonte é sair da rotina.

Na esquina a fumaça do baseado embaça o horizonte e leva com ela as mágoas do moleque e a hipocrisia da sociedade.

Os sons se misturam aos cheiros, a mente viaja em paredes de tijolo cru, pichações em meio a propagandas e assim caminho por caminhos que só a vista alcança.

No bar um pai descuidado não vê o molequinho tentar fumar um cigarro. Num bar um pai descuidado não se vê consumido em fumaça.

Em meio ao caos há ordem, em meio à ordem o caos.

Milhares de balões de algum político passam ao fundo por entre os prédios. Passam despercebidos por quem labuta sem tempo de olhar para o alto.

Vive-se o inverso da vida, onde as árvores cavam seu lugar no concreto e a água mina de um cano estourado, esquecido, imune.

Alheio a tudo, cai uma pipa, presa no alto da única arvore que se vê, como se no fundo no fundo a natureza só quisesse brincar de pipa, como a me lembrar eternamente das ilusões da minha juventude.